Do sucesso para o fracasso, basta um descuido

Em março de 1991, fui convidado pela direção do Correio Braziliense para organizar a 1ª Maratona de Brasília que aconteceria no dia 21 de abril daquele ano. O jornal, fundado por Assis Chateaubriand, foi criado no dia da inauguração da Cidade e naquela data seria comemorado 40 anos de existência. A encomenda foi que o evento tivesse um alto impacto uma vez que o Presidente Collor, à época empolgado em correr longas distâncias, poderia participar. Com a experiência da organização da Maratona do Rio, montei uma superestrutura e contratei a competente turma do Cobra- Corredores de Brasília para atuar na parte técnica.

Foram quase dois meses de muito trabalho, inclusive com a participação do ilustre corredor e seu aparato em vários treinos, em percursos escolhidos por sua segurança ao redor da casa da Dinda, mas no meio do caminho, ele desistiu de correr. Na véspera da prova, fui alertado pelo editor de esportes Marcondes Brito da impontualidade do Governador Joaquim Roriz. Como a largada seria dada por ele, fiquei preocupado pois qualquer atraso traria sérios prejuízos para os corredores. Com muita naturalidade, Marcondes disse: pega um carro do jornal, vai, agora, ao estádio Rei Pelé (hoje Mané Garrincha), entra na tribuna de honra, procura o Secretário de Comunicação, que ele vai levar você ao Governador, e aí, você explica isso para ele. Ok? Meio ressabiado, perguntei: como eu entro no estádio? Ele respondeu: diz que é do Correio Braziliense. 

Estava desconfiado que aquilo fosse uma pegadinha, mas segui todos os passos sugeridos pelo jornalista. E não é que tudo aconteceu como ele havia dito? O motorista levou-me ao estádio, entrei sem credencial e falei diretamente com o Governador, que, por sinal, compreendeu muito bem o tamanho da responsabilidade da sua função. No dia seguinte, lá estava ele pontualmente às 15:30 horas, pronto para dar o tiro de canhão daquele que foi durante muitos anos o maior evento da cidade.

Partida perfeita, percurso livre para os atletas, o trio elétrico do Reco e Armandinho tocando para entreter o público, enfim, tudo acontecendo dentro do planejado, mas, de repente, avistei na camiseta do primeiro colocado a marca do Jornal concorrente. Aí, gelei. Não é que o vencedor, João Batista Pacau, cruzou a linha de chegada trazendo no peito o símbolo do Jornal de Brasília! Imediatamente fui avisado que o Presidente da empresa não entregaria o troféu para o atleta naquelas condições, afinal ele organizou uma bonita festa e não seria justo que outra marca “roubasse” a cena final. Mais do que depressa, chamei os vencedores, mostrei que no regulamento havia uma cláusula determinando que os três primeiros colocados deveriam subir ao pódio identificados com um adesivo fornecido pela organização, indicando as suas posições. Caso contrário, seriam desclassificados e, por consequência, não levariam a grana da premiação. A peça tinha os números 1, 2 e 3 de modo a cobrir qualquer vestígio de marca na camisa dos vencedores, tanto do masculino, quanto do feminino. Muito contrariado, Pacau recebeu o troféu nas condições impostas pela regra.

No dia seguinte, houve a festa de premiação no auditório do Jornal, e lá estavam várias personalidades. Como a cerimônia estava marcada para ter início às 19 horas, uma pessoa com pinta de autoridade abordou-me e disse: já são sete horas e a cerimônia não teve início. Argumentei que o vencedor estava no hotel e que em dez minutos iniciaríamos a premiação. Cravados os 10 minutos, a mesma pessoa dirigiu-se a mim num tom firme e indagou: e aí? Gentilmente respondi que o campeão já havia deixado o hotel e que deveria chegar a qualquer momento. Em seguida, ele retrucou: É para começar agora. Isso é uma ordem. Neste momento, vi na plateia a campeã da categoria feminina Carmen de Oliveira e falei para o mestre de cerimônias inverter a ordem da premiação chamando primeiro as mulheres.

Assim que começou a cerimônia entraram no anfiteatro vários cadeirantes que participaram da prova e haviam armado uma enorme quizumba no dia anterior. Posicionaram-se ao longo do corredor, bloqueando toda a passagem. Como eu estava sentado na primeira fila, um deles passou com a roda da cadeira em cima do meu pé e postou-se bem em frente ao palco. Num dos breves intervalos, um deles gritou, lá do fundo: não tem prêmio para cadeirante? Mais do que depressa levanta-se um deputado federal que estava na plateia e diz: pelo visto não há premiação para categoria especial. Se não há, eu vou dar. Foi até o vencedor daquela categoria e deu um cheque, sob aplausos dos presentes. Evidente que tudo já estava previamente combinado. Em meio a essa situação, surge o chefe da redação do jornal e diz que precisava fechar a edição com a foto do vencedor e que não podia esperar até o fim da premiação. Pressionado por todos os lados, fui salvo com a chegada do vencedor. Mais que depressa, levei-o para um canto e improvisamos uma foto que foi publicada na capa do jornal no dia seguinte. Missão cumprida!

Moral da história:


1. Em se tratando de projetos estratégicos, planejamento é importante, mas a atenção às variáveis externas é fundamental;

2. Ações bem planejadas não impedem a interferência de condições difíceis de serem administradas;

3. Quando estas condições dizem respeito às variáveis humanas, a gestão deixa de ser “de alguma coisa” para ser de “alguém” ou “de algo que nem sempre dimensionamos”. Sendo assim, a gestão de projetos acaba sendo, também, gestão de estratégias e de pessoas;

4. As questões políticas, permeadas pelas relações de poder e pelas vaidades humanas são elementos culturais importantes e que precisam ser considerados em todas as estratégias empresariais, sob pena de não atingirmos nossos objetivos;

5. Tanto nos eventos, como no esporte ou nas estratégias empresariais, para resvalar do sucesso para o fracasso, basta um descuido!

Miguel Jabour

Miguel Jabour é advogado e publicitário, com grande vivência no mercado na relação com o mercado e com o cliente. Especialista em gestão, é consultor empresarial nas áreas de estratégia comercial e publicidade. Possui larga experiência profissional, tendo ocupado cargos importantes em grandes empresas em diversas regiões do país. Suas reflexões estimulam empreendedores e gestores de todas as áreas a repensarem sua atuação profissional e sua carreira. Utiliza, também, a música e o esporte, seus grandes hobbies, para promover importantes analogias com o ambiente corporativo, visando o desenvolvimento de estratégias humanas e de gestão. Miguel Jabour é consultor máster da El-Kouba Consultoria Empresarial.

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